O Tribunal de Contas de Roraima (TCE-RR) consolidou-se, nesta terça-feira (16), como protagonista nacional na defesa dos direitos dos povos indígenas ao mobilizar um encontro histórico. Em parceria com a Universidade Federal de Roraima (UFRR) por meio do Instituto Insikiran e apoio da Secretaria de Estado de Educação e Desporto (SEED), o Tribunal promoveu o seminário Ajuri - Raízes e Saberes da Infância Indígena.
O evento reuniu cerca de 100 gestores, entre eles a prefeita Núbia Lima (Amajari), o prefeito Benísio Souza (Uiramutã), secretários, pesquisadores, lideranças indígenas e representantes do Governo Federal para debater a educação na Primeira Infância. Na ocasião, foi apresentado um diagnóstico inédito sobre a política educacional realizado, em formato de projeto-piloto, nos municípios de Amajari, Normandia e Uiramutã, transformando a escuta das comunidades, incluindo as crianças, em dados técnicos para a formulação de políticas públicas.
Vejas as fotos do evento.
Articulação nacional e presença de autoridades
A relevância do encontro foi reforçada pela presença de autoridades como a presidente da Funai, Joênia Wapichana, a presidente do FNDE, Fernanda Pacobahyba, além da diretora de Políticas de Educação Escolar Indígena da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi/MEC), Rosilene Cruz de Araújo e a coordenadora-geral da Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (Senarc) do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Valéria Medeiros.
Na abertura, a conselheira Cilene Salomão, Ouvidora e coordenadora do Grupo de Trabalho da Primeira Infância do TCE-RR, destacou que o Tribunal atua como um indutor de melhorias. “O Tribunal garante que o diálogo entre União, Estado e Municípios resulte no fortalecimento real das políticas públicas, validando a tese de que os avanços na educação indígena dependem do regime de colaboração”, explicou.
Em um momento de especial reconhecimento, a conselheira Cilene Salomão fez questão de registrar a gratidão aos pilares que sustentaram a viabilização dessa jornada. Ela rendeu homenagens ao ex-presidente do TCE-RR e atual corregedor, conselheiro Célio Wanderley, por seu apoio incondicional e visão estratégica ao dar o pontapé inicial no trabalho voltado à primeira infância; ao atual presidente, conselheiro Brito Bezerra, pelo contínuo incentivo e pelos investimentos que garantiram a expansão da iniciativa; e à conselheira Simone Souza, a quem descreveu como uma parceira incansável e fundamental na luta pelos direitos das crianças roraimenses. Cilene estendeu os agradecimentos, de forma calorosa, aos servidores de seu gabinete e a todos os membros do Grupo de Trabalho (GT) da Primeira Infância, destacando que a dedicação técnica e humana dessa equipe foi o que permitiu transformar o projeto em uma realidade transformadora.
Joênia Wapichana reforçou que a educação indígena deve ser vista como investimento. Ela destacou a importância do diagnóstico realizado pelo TCE-RR e UFRR para orientar o planejamento orçamentário e a execução de melhorias nas comunidades. Já a presidente do FNDE, Fernanda Pacobahyba, anunciou a prorrogação do Programa FNDE Chegando Junto para 2026, com foco em melhorar a qualidade da educação escolar indígena nos 15 municípios de Roraima.
Do diagnóstico à solução: caminhos viáveis
O seminário focou em soluções práticas divididas em quatro painéis estratégicos, direcionados pelos gargalos identificados na pesquisa-piloto em Amajari, Normandia e Uiramutã:
No Painel 1, que tratou do Financiamento da Política da Educação Escolar Indígena, os painelistas Romário da Silva Duarte, presidente da União dos Dirigentes Indígenas Municipais de Roraima (UNDIM), Abraão Oliveira da Silva, secretário de Educação do município de Normandia, e Fernanda Pacobahyba, discutiram como garantir que os recursos para infraestrutura, merenda e livros didáticos cheguem à ponta. A mediação foi da secretária de Avaliação e Monitoramento de Políticas Públicas do TCE-RR, Valdelia Lena.
Durante o debate, os secretários pontuaram os problemas que as gestões municipais enfrentam em relação aos programas do FNDE: PNLD (Livro Didático), PDDE (Dinheiro Direto na Escola) para custeio e melhorias, PNATE (Apoio ao Transporte), VAAR e VAAT. Em resposta, Fernanda Pacobahyba destacou o projeto FNDE Chegando Junto, que visa aproximar a autarquia dos municípios para resolver problemas de gestão e infraestrutura escolar. Ela relatou o sucesso da iniciativa no Marajó (PA) e no Amapá, onde obras paralisadas foram retomadas e escolas voltaram a receber recursos federais após regularizarem pendências técnicas. Fernanda enfatizou a importância de Roraima para o FNDE, especialmente na temática indígena, e propôs uma agenda estruturada com o Tribunal de Contas para 2026.
No Painel 2, que abordou a Realidade da Educação Escolar Indígena Infantil de Roraima e os desafios para a implementação dos territórios etnoeducacionais, o professor Dr. Gersem Baniwa (UNB/Fórum Nacional Escolar Indígena – FENEEI) e a professora Mariléia Teixeira, Presidente da Organização dos Professores Indígenas de Roraima (OPIRR), analisaram os desafios antropológicos e pedagógicos do tema. A mediação foi conduzida pela professora Dra. Iana dos Santos Vasconcelos (Instituto Insikiran/UFRR).
Na ocasião, Gersem Baniwa fez uma crítica contundente: “As políticas públicas, em geral, são desenhadas de cima para baixo, com uma régua que não nos mede. Elas são feitas por brancos, para brancos, e quando chegam na aldeia, tentam nos encaixar em uma estrutura que ignora nossa organização social e nossos tempos". Os painelistas destacaram que a educação indígena deve ser construída sob o regime de colaboração, respeitando a interculturalidade e reforçando a urgente necessidade de elaboração do Documento Curricular da Educação Escolar Indígena de Roraima (DCEEIR). Baniwa agradeceu o convite do TCE-RR, com o qual firmou parceria como consultor para a elaboração desse documento orientador na agenda de 2026.
O Painel 3 promoveu um debate essencial sobre a interseção entre as condicionalidades do Programa Bolsa Família e as especificidades da educação escolar indígena, como por exemplo, o direito facultativo dos povos indígenas matricularem as crianças na primeira infância. Brenda Guimarães Senna, coordenadora-geral de processos Educativos e Culturais da FUNAI, participou de forma virtual junto com Valéria Medeiros (Senarc/MDS). O professor Dr. Sandro Martins Almeida Santos (Instituto de Antropologia/UFRR) conduziu a conversa.
Brenda, a partir da reflexão “o que as crianças indígenas estariam fazendo se não estivessem na escola?, apresentou a legislação que garante uma educaçao escolar diferenciada, com respeito aos tempos comunitários e às atividades tradicionais. Valéria apresentou muitos dados sobre a abrangência do programa, e explicou sobre as condicionalidades enquanto mecanismos de promover acesso a outros direitos como saúde e educação. Ambas destacaram que a legislação vigente já oferece mecanismos de flexibilização e que condicionalidades devem ser ferramentas de acesso a direitos, e não instrumentos punitivos.
O mediador ponderou comentou sobre a falta de informação das famílias e dos agentes que atuam nas pontas, destacando situações em que as famílias temem perder a bolsa porque a criança não está na escola, evidenciando um descompasso crítico na implementação prática dessas garantias. Com base na expertise dos debatedores e em dados apresentados, os painelistas apontaram que o racismo institucional e a falta de informação clara geram uma insegurança paralisante, e que o principal gargalo não é a falta de normas, mas a necessidade urgente de melhorar a comunicação na ponta e capacitar os gestores municipais para interpretar a lei de forma sensível às realidades indígenas. “Crianças indígenas sofrem racismo na escola dos brancos, mas os pais ficam com medo de tirar as crianças para não perder a bolsa,” disse Rosilene Araújo (Secadi/MEC), que trouxe o exemplo de uma situação, na Bahia.
No último painel, as coordenadoras do diagnóstico, Valdelia Lena e Iana Vasconcelos, trouxeram os principais resultados e um panorama geral da trabalho, incluindo o processo da consulta prévia, livre e esclarecida, a metodologia da pesquisa, e também compartilharam um pouco da vivência pessoal de cada uma delas nessa trajetória. A conversa foi conduzida pela auditora de controle externo do TCE-RR, Perpétua Moura Pinho, que também participou da pesquisa de campo e trouxe seu relato.
Segundo as painelistas, os próximos passos serão a criação de instrumentos técnicos de gestão resultantes da articulação entre os diversos órgãos (FNDE, Funai, MEC, UFRR, TCE-RR). Entre as ações prioritárias deste plano de trabalho estão a estruturação de um Guia de Implementação e de uma Cartografia de Políticas Públicas, instrumentos estratégicos voltados a instrumentalizar as comunidades e qualificar o acesso à informação.
No que diz respeito à abrangência, as coordenadoras ressaltaram que, embora o estudo de caso inicial tenha focado em três municípios, citando Normandia como um exemplo positivo de gestão, o objetivo central é que o trabalho sirva de base para auxiliar outras gestões municipais e estaduais no futuro. Em breve a versão digital do documento estará disponível para download, no portal da Primeira Infância do TCE-RR.
Encerramento
A conselheira Simone Soares, que também é membro do GT da Primeira Infância, encerrou o evento enaltecendo o compromisso técnico do Tribunal e a importância da primeira infância. Finalizou agradecendo ao Presidente do TCE-RR, conselheiro Brito Bezerra, aos demais membros, convidados e ao titular da SEED pela parceria: "Trabalharemos juntos para que as palavras que trocamos aqui, as nossas experiências e boas práticas, se transformem em escolas mais estruturadas, em currículos mais inclusivos e em um ambiente que celebre a riqueza de cada língua materna".
Penélope Buffi
Fonte: Tribunal de Contas de Roraima - TCE/RR
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Data da notícia: 22 de dez. de 2025
Editor responsavél pelo CJ: Professor Izio Masetti

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